sábado, 11 de dezembro de 2010

"Brincadeira de Detetives". (Um pedacinho da história).

Ela era uma criança pensativa, compenetrada com assuntos desinteressantes para seus coleguinhas da sua idade, quase uma adulta solitária. Simone não tinha oito anos, tinha trinta. Como menina que se descobria ser, era infantil, mimada e intolerante com as brincadeiras e peças, tão naturais, que a vida lhe pregava. Sentia-se uma vítima da solidão que aquele casarão, onde vivia, lhe trazia, apreciava os cantos das paredes brancas, recém pintadas, com ótica de artista, imaginava pessoas, mortes, nascimentos. Caminhava olhando para os pés e quando fingia olhar para frente, carregava o peso de uma vida inteira no olhar, apesar de ser apenas uma menina, das pernas levemente arqueadas. Era séria, verdade. Mas também ria e gostava de gargalhar. Simone pedia cócegas ao pai, lhe arrancava os cabelos brancos do peito, comia pão caseiro e tomava leite recém tirado da vaca. No seu íntimo, ela sabia que sabia demais. E isso a incomodava. Era uma sensação triste ter a consciência das suas ausências, principalmente quando conseguia prever o futuro, e isso, ela não ousava contar a ninguém. Nem mesmo pro seu irmão, Rodrigo. Rodrigo era um pouco mais velho que Simone, mas ela tinha uma intrigante sensação que ele sentia o vento forte, do sítio em que brincavam, com a intensidade certa e ela não. Ela o amava, profundamente. Admirava a calma dele depois do nervosismo, os desenhos que ele fazia tão diferente de todo mundo que ela conhecia, o carinho com que ele a protegia e a paciência. Simone almejava, com toda sua tolice e amargura, ser um dia, quem sabe, como ele.
Existia uma brincadeira que Simone e seu irmão faziam, chamada de detetive. Toda vez que eles pegavam os livros do pai e iam a procura de mistérios no casarão, Simone esquecia um pouco da sua dor e voltava a ser criança. Rodrigo conseguia espantar os medos dela, mostrava outro universo escondido entre as paredes altas do casarão, que não fossem os ecos dos pensamentos céticos ou a sensação agoniante da ausência da mãe. Para Simone, Rodrigo era um herói protetor, um menino de coração bom que a fazia matar a saudade do futuro que ela ainda não conhecia.

Um comentário:

Rafael Pesce disse...

Lindo texto! Passa aquela impressão de que realmente tudo isso aconteceu, uma sinceridade que cativa! Espero ver mais textos por aqui! Bjos!!

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