quarta-feira, 16 de maio de 2012

Moletom


Eu guardei. Está comigo todos esses anos. No início eu tinha mania de cheirá-lo antes de usar para dormir. Quando você me emprestou, ainda era novinho, tinha aquele cheiro de loja. Não me recordo se sentia o teu perfume nele, mas só as lembranças já me eram o suficiente.
Teve ainda aquele episódio que você me pediu ele de volta. Num tom bem direto, expondo isso numa rede social qualquer. Eu apaguei o recado, te deletei dos meus contatos e nunca mais toquei no assunto com mais ninguém.
Ele continuava comigo, ocupando um bom espaço! Devido a tua altura e porte o volume da peça ocupava uma prateleira inteira das minhas roupas de inverno. Na época, devido algumas mágoas até pensei, por um segundo, em queimar o abrigo- pra me livrar logo dele. (E de ti). Mas refleti melhor e vi que essa atitude seria ainda mais infantil do que a birra de não ter te devolvido...

O tempo passou e o moletom da cor verde se tornou um verdadeiro estorvo no meu quarda-roupa... Era uma lembrança viva e esparramada no meu espaço. Seria muito chato voltar a falar contigo só pra devolver o canguru, você poderia achar que eu estava arrumando desculpa.... Meu orgulho venceu. Não te procurei.
Uma amiga veio me visitar e mexendo nas minhas roupas encontrou o tal do moletom. Como ainda estava novo, ela perguntou de quem era e disse que o seu namorado adorava a marca do canguru. Chegou a tirar uma foto pelo celular e mandar para o ele, que era atleta patrocinado pela marca rival.

-Leva. –Falei. Feliz da vida por ter me livrar da peça e ainda deixar minha amiga contente.

Ela levou consigo o meu ”probleminha”.
No outro dia ela me aparece com o canguru verde na mão! Edu, seu namorado, não poderia usar aquela marca, estava proibido no seu contrato com o patrocinador.
Concordei. Já estava desconfiada, era eu que estava apegada ao verdinho ou ele a mim? Que besteira! –Pensei.
Resolvi fazer a doação para o meu primo. Minha vó veio nos visitar e eu a incumbi de levar o moleton pra cidade dele, que é a mesma cidade onde ela mora.

O verdinho então partiu. Quase do mesmo jeito que chegou, sem muitos avisos, num dia de garoa fria de maio. “Pegou” o Unesul e partiu pra Santo Antonio da Patrulha.
Passa mais uma semana.Toca a campainha. Chega a minha vó, sorridente, carregando sacolas com cuca, geléia caseira, bolo, pão de ló e... Uma sacola da Renner!

-Carol! Nem cheguei a dar o moletom pro teu primo porque agora ele tá numa fase de se vestir como rockeiro, só usa preto. Que judiaria... Mas tu pode usar! Esse verde combina com os teus olhos!

E combina mesmo! Decidi. Ele vai ficar comigo, dá pra usar em casa, ainda mais nesses dias frios que andam fazendo em Porto Alegre.

Semana passada fizemos um churrasco aqui, vieram os antigos moradores dessa casa (que hoje são nossos amigos) e seus dois filhos. Matheus e Rafaela.

Eu havia me esquecido que eles iam nos visitar, quando tocaram a companhia, levei um verdadeiro susto! Tirei o moleton verde, joguei no sofá, corri pro quarto e coloquei outro casaco. Conversa vai, conversa vem, convidei a Rafa e o Matheus pra tomar um chima na sala, pois o almoço ainda ia demorar. Matheus teve praticamente um deja vu ao chegar na sala: Carolzinha! Eu tinha um moletom igual a esse! Acredita que a empregada queimou?

-Leva. –As palavras saíram sem o meu controle.

-Capaz!

Ele começou a rir... E tinha que rir mesmo! Matheus cursava medicina numa faculdade particular, é de família abastada, devia ter uns 50 abrigos parecidos (e novos) em casa.

-Leva. Repeti. Acabei por criar um clima tenso e bizarro ao mesmo tempo. Já estava fora de mim com essa história de moletom.
Rafaela, me fitou com cara de espanto.

-Leva, leva... Pode levar!
Não preciso nem contar o final. Meu amigo Matheus não levou o moletom e eu continuo sem espaço na segunda prateleira de roupas de inverno do meu guarda-roupa. Mas sabe que ele até que combina com os meus olhos...